sexta-feira, 31 de maio de 2013

"Entrevistas"

Abaixo algumas entrevistas com professores tendo como foco a Educação. Vejamos.

“Primeira Entrevista”

“Entrevista Mario Sergio Cortella”

O professor comenta a federalização do ensino, a progressão continuada, piso salarial, formação docente e outras questões da Educação brasileira.

Texto de Eliane Scardovelli.

Foto: Ana Vitale
O filósofo Mario Sergio Cortella diz que o trabalho do professor é mais que um emprego, é fonte de vida.

Aos 7 anos de idade, o professor Mario Sergio Cortella teve hepatite, o que o obrigou a ficar em repouso por longos 4 meses. Para se distrair, começou a participar de programas de rádio. Aos 14, já comandava missas praticamente sozinho. O gosto pela mídia e por falar em público encontrou-se mais tarde com paixão pela Filosofia e pela docência. Mario Sergio graduou-se e logo foi convidado a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde já está há 32 anos. O orientador de seu doutorado foi Paulo Freire, com quem Cortella trabalhou na prefeitura de São Paulo, durante o governo de Luiza Erundina. Sobre sua carreira como professor, ele diz: "Para mim, a docência é um gosto, um prazer, um modo de ser humano." Em entrevista concedida à repórter Eliane Scardovelli, para o projeto EDUCAR PARA CRESCER, o professor fala sobre o convívio com Paulo Freire, o dilema de colocar ou não os filhos em escola pública, a democratização do ensino, o papel da escola e outras questões fundamentais da Educação brasileira.

1. Quais são os principais problemas da Educação no Brasil?   
Mario Segio Cortella: Temos quatro problemas principais. 1) Apesar da democratização do acesso à escola - 97% das crianças de 7 a 14 anos estão no Ensino Fundamental - ainda não houve a democratização da permanência. O nível de evasão escolar, ou, como diria Paulo Freire, de expulsão escolar, é muito alto. Mesmo a democratização do acesso ainda não chegou à Educação Infantil nem ao Ensino Médio. A Educação básica é um direito subjetivo constitucional, tem de ser oferecida em seu conjunto. É alta também a distorção idade-série, ou seja, muitos alunos não estão na série correspondente à sua idade. 2) A comunidade escolar (pais, alunos, professores e funcionários) precisa se apropriar do trabalho pedagógico como protagonista, não apenas como expectadora. Isso ainda é raro. 3) A qualidade do ensino tem de melhorar e ascender a uma sólida base científica, de formação de cidadania e de solidariedade social. Isso exige um contrato de condições de trabalho diferente para os educadores e um sistema nacional de formação docente, que, aliás, está sendo organizado pelo Ministério da Educação. 4) Cerca de 10% dos adultos brasileiros adultos são analfabetos. É uma vergonha para um país que é a 10ª economia do planeta.

2. Investimos pouco em Educação?   
Mario Segio Cortella: Sim. As questões que listei como problemáticas na Educação não dependem apenas do orçamento, mas dependem dele também. Se não chegarmos a 2020 investindo pelo menos 7% do PIB não conseguiremos vencer essas barreiras. Nós estamos em um patamar de mais ou menos 4,2% do PIB, o que equivale ao investimento de países de primeiro mundo, mas eles estão em velocidade de cruzeiro, precisam de recursos para a manutenção. Nós precisamos de arranque.

3. A progressão continuada é um bom caminho para resolver o problema da distorção idade-série e promover a democratização da permanência?   
Mario Segio Cortella: Sim, mas não como está hoje. Defendo a progressão em forma de ciclos, não aquela que pode ser identificada como aprovação automática. A Lei de Diretrizes e Bases estabeleceu dois ciclos no Ensino Fundamental - de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª. Agora, com o EF de 9 anos, torna-se mais necessário trabalhar com o mínimo de 3 ciclos, de 3 anos cada. A finalidade da progressão continuada não é de facilitar a aprovação, mas sim de dificultar a reprovação burra, que acontece por falha da estrutura da escola. No Brasil, a seriação produz mais desalento do que efetividade. Quando havia estrutura seriada em todas as redes, não se percebia que as crianças chegavam à 8ª série sem estar alfabetizados direito, porque elas simplesmente não chegavam até lá. O sistema praticamente expelia o aluno. Com a progressão continuada, a criança com defasagem pelo menos é vista

4. Fala-se muito em qualidade da Educação. O que isso significa?   
Mario Segio Cortella: Qualidade não pode ser uma palavra abstrata, é aquilo que vai servir para a cidadania, para o trabalho, para existir melhor. Numa democracia, a qualidade tem de ser social. Qualidade social pressupõe quantidade total. Qualidade sem quantidade é privilégio. Devemos democratizar o acesso e a permanência para todos os níveis de ensino e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade da Educação. Não existe um único caminho para resolver os problemas de educação. Hoje, há sérias lacunas, tanto no ensino público quanto no privado. De maneira geral, a Educação brasileira ainda é muito ostentatória, muito mais apoiada na informação do que no conhecimento. Informação é cumulativa, conhecimento é seletivo. Nossas escolas têm uma herança colonial muito forte, o ensino era privilégio das elites. Para quem já tem suas condições de vida resolvidas, o conteúdo trabalhado é meramente acessório.

5. Alguns economistas defendem que, ao melhorar a Educação, melhora-se a economia e todos se beneficiam...   
Mario Segio Cortella: O Brasil é a 10ª maior economia do planeta e, segundo o ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma das piores no ranking mundial de Educação. Se essa relação fosse tão automática, não seríamos um país em condições de miserabilidade educacional. Indepentemente disso, os economistas não são nossos adversários, são nossos parceiros. É preciso que eles apontem mais diretamente e divulguem para a sociedade como se dá esse "milagre brasileiro".

6. A escola abarca muitos problemas sociais do país. Ela deixa de lado a função primeira de educar?   
Mario Segio Cortella: Com o adensamento das metrópoles e o aumento da pobreza nos últimos 30 anos, a Educação escolar assumiu o papel de rede de proteção social. As funções foram se acumulando. Apesar de não conseguir dar conta de tudo, a escola é a mais forte instância republicana que temos. O cidadão recebe dela um apoio do aparelho público que não encontra em nenhum outro lugar. Muitas vezes, em áreas de periferia, as crianças não têm nem certidão de nascimento. Só se dá falta dela pela ausência na hora da chamada. A escola pública hoje funciona como um colchão que segura muito do nosso cotidiano. Quem é de classe média não tem muita idéia do que isso significa. Muitos acham que é assistencialismo, mas temos de ter cuidado. Tudo o que é oferecido ao povo que vem do orçamento público não é doação, é devolução.

7. Quais as principais conquistas do Brasil no campo da Educação nos últimos 10 anos?   
Mario Segio Cortella: Tivemos um avanço na democratização do acesso de crianças de 7 a 14 anos no Ensino Fundamental. O número de jovens e adultos analfabetos diminuiu, mas continua alto. A comunidade passou a se envolver mais com os trabalhos educacionais, em função da formação de conselhos de escolas, colegiados e conselhos municipais de Educação. Também foram estruturadas formas de avaliação e de planejamento que não tínhamos antes. Isso não nos coloca em mundo triunfalista, mas também não é catastrófico. Estamos no caminho certo. Os últimos anos foram decisivos para a melhoria da educação pública, e isso ganha uma relevância enorme se pensarmos que 87% das vagas no Brasil de Educação básica estão nas escolas públicas.

8. Como foi o seu convívio com Paulo Freire?   
Mario Segio Cortella: Mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente, li textos de sua autoria, como "A Pedagogia do Oprimido", "Educação como prática da liberdade" e "Cartas de Guiné Bissau" logo nos primeiros anos da faculdade de Filosofia. Por conta da ditadura militar, Paulo Freire ficou exilado de 1964 a 1979. Em 1980, começou a dar aulas na PUC-SP, onde eu já era docente. Também nessa época foi fundado o PT, e passamos a militar no partido. Em 1989, Luiza Erundina foi eleita prefeita da cidade de São Paulo, e Paulo Freire foi escolhido para secretário de Educação. Eu fui o secretário-adjunto por dois anos, e assumi a secretaria quando Paulo Freire deixou o cargo. Em seguida, foi meu orientador de doutorado, quando tivemos uma convivência mais direta, cotidiana, o que foi extremamente educativo e prazeroso para mim.

9. Que legado Paulo Freire deixou para o Brasil?    
Mario Segio Cortella: Ele nos ensinou a capacidade de recusar a falência da esperança, de não fazer a autópsia dos temas que envolvem a Educação, mas sim a biópsia. Ou seja, melhorar o que está incorreto. Ele criou o viés político do trabalho pedagógico, política não no sentido partidário, mas como ação na sociedade. Paulo Freire entendeu a relação professor-aluno a partir do universo vivencial do aluno e trouxe uma metodologia inédita dentro das perspectivas educacionais. Ele é o brasileiro com o maior número de títulos de Doutor Honoris Causa da nossa História, um dos maiores educadores.

10. Seus três filhos estudaram em escola pública?   
Mario Segio Cortella: O caçula não estudou em escola pública, mas os dois filhos mais velhos sim. Pedro, o mais novo, só foi para uma escola particular porque, na época, o governo do Estado deu início a uma política de progressão continuada sem o acompanhamento pedagógico necessário, então a qualidade do ensino caiu. Hoje, não teria dúvida em colocar um filho em escola pública. Não pela qualidade técnica, embora existam excelentes escolas não-pagas, mas pela convivência social. A escola pública oferece outras dimensões da vida coletiva. Muitas instituições particulares formam pessoas predatórias, excessivamente competitivas e materialistas. A escola que classifico como ruim não é só a que tem baixa qualidade cientifica, é a que também não se preocupa com questões sociais e de cidadania.

11. A carreira do professor é atrativa?   
Mario Segio Cortella: Depende do que se entende por sucesso na carreira. No Brasil, há cerca de 500 mil jovens fazendo magistério. Levando em conta que o professor tem uma remuneração muito baixa, trabalha muito, precisa dar aulas em mais de uma escola para se manter - o que Paulo Freire chama de sã loucura - esse é um número significativo. Dá prazer exercer uma atividade que envolve compartilhar conhecimento. A questão salarial importa, mas não é o único objetivo de alguém nesse campo. Do ponto de vista da remuneração, compensa mais manter a barraquinha de cachorro-quente na porta da escola do que ser docente. É preciso distinguir emprego de trabalho. Emprego é fonte de renda, trabalho é fonte de vida. Ser professor é um trabalho. O magistério é um jeito de existir, é uma possibilidade de ser.

12. Como está a formação dos docentes?   
Mario Segio Cortella: Bastante deficiente. Nos últimos 30 anos, os serviços de saúde, habitação, transporte e educação explodiram em termos de demanda. Os salários dos docentes foram reduzidos. À medida que a escola pública foi se tornado realmente pública, houve uma redução das condições de trabalho, e a nossa formação docente ficou prejudicada. A boa formação se dá quando é possível ir ao cinema, ao teatro, comprar livros, ler jornais, fazer cursos e quando você não se cansa demasiadamente por dar aulas em três escolas para poder sobreviver.



13. O ex-ministro Paulo Renato afirmou que há um movimento de federalização do ensino, de centralização de questões da Educação no governo federal. Estamos nesse caminho?    
Mario Segio Cortella: Isso pode acontecer, e é uma boa idéia. Precisamos concentrar algumas questões nas mãos do governo federal. É necessário, por exemplo, organizar um sistema nacional de formação docente e de avaliação do trabalho que é feito nas escolas. Essa concentração evita a dispersão e garante a autonomia das unidades federativas. Não temo essa marca de federalização que está a caminho. Vários países possuem sistemas nacionais de Educação, coisa que o Brasil não tem, mas precisa ter. O deputado Paulo Renato está certo ao identificar sinais de federalização. Ele é contra, eu sou a favor.

14. Qual sua resposta para os estados e municípios que reclamam que o piso salarial não cabe no orçamento?   
Mario Segio Cortella: Quando estados e municípios reclamam da criação do piso salarial com a justificativa de que fere a autonomia administrativa, eles não priorizam a Educação. Prioridades são transformadas em orçamentos, senão ficamos apenas nas boas intenções, nas mudanças cosméticas. Durante anos, advogou-se no Brasil a necessidade de um piso salarial nacional. Quando finalmente é implantado, dizem que não podem fazê-lo...

15. Como tornar o acesso à universidade pública menos elitizado?   
Mario Segio Cortella: Precisamos melhorar a Educação básica e a Educação de jovens e adultos. Pais bem alfabetizados fazem toda a diferença na formação das crianças, e as motivarão a continuar estudando. O Brasil deve também reservar cotas em universidades públicas para aqueles que vieram da rede pública. O governo federal aumentou o número de vagas no Ensino Superior público, mas 74% das cadeiras ainda são oferecidas pelas faculdades privadas. A oferta de vagas por instituições públicas precisa ser maior ainda.

16. Os recursos do governo federal devem ser prioritariamente destinados às faculdades públicas ou privadas?   
Mario Segio Cortella: A prioridade deve ser investir em instituições de Ensino Superior públicas, depois nas universidades comunitárias, que são aquelas que não têm fins lucrativos, e, por último, nas faculdades privadas, que fazem do ensino um negócio. Não sou contra o ProUni, mas defendo essa ordem de prioridade.

17. Qual sua opinião sobre os recentes índices da Educação, como o IDEB?   
Mario Segio Cortella: Os indicadores são positivos, mas não basta constatar problemas. Não podemos ser apenas admiradores de termômetros. Eles escancaram a situação, mas lembremos: a janela não é culpada pela paisagem. Muita gente grita contra o índice, mas a questão central é o que ele mostra.

18. O senhor usa muito o termo pedagocídio nos seus textos - que seria, grosso modo, atribuir ao professor toda a culpa pelo fracasso escolar no Brasil. A adoção de políticas de bônus por desempenho é um pedagocídio?   
Mario Segio Cortella: Sim. Vou ilustrar minha posição com um exemplo. Durante a minha gestão como secretário em São Paulo, havia um concurso de banda de fanfarras. As escolas das áreas centrais ganhavam todos os anos. As escolas de periferia tinham bandas com menos instrumentos e nunca saíam vencedoras. Isso é avaliar por desempenho? Não: é premiar os grupos mais favorecidos. Sou a favor da meritocracia, mas ela nunca será adequada enquanto não houver igualdade de condições no ponto de partida. Eu só posso avaliar os professores por desempenho se eles tiverem a mesma oferta de condições de mesma oferta de condição de melhoria.


“Segunda Entrevista”

“ENSINO SUPERIOR”

Entrevista Sonia Penin

A diretora da Faculdade de Educação da USP fala sobre a capacitação de professores e o papel da instituição para a melhoria da qualidade de ensino no país, entre outros temas

Texto de Bruna Nicolielo

Foto: Cíntia Sanchez
Sonia Penin, em sua sala na USP: "educador tem que conhecer bem a escola em que leciona e investir em atualizações"
A professora Sonia Penin comanda um dos maiores e mais prestigiados centros de formação de professores do país, a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Com a discussão crescente em torno da formação de professores -- hoje, muitas pesquisas atestam que a competência do mestre é determinante para o sucesso do aluno --, ela recorrentemente vê a instituição que dirige ser alvejada pelos críticos. Não raro, essas discussões causam mal-estar, como o episódio em que a secretária estadual da Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães, disse que os cursos eram ruins e por isso poderiam ser fechados. "Isso é leviano", diz Sonia, que acha equivocado atribuir aos cursos de formação inicial todas as dificuldades enfrentadas pelos professores.
Durante a entrevista à repórter Bruna Nicolielo, em sua sala, na Cidade Universitária, em São Paulo, ela comenta o incidente e defende a atual carga-horária do ensino da teoria, considerada excessiva por muitos especialistas. Também fala sobre o papel da USP para a melhoria do ensino no país e da importância dos cursos de formação continuada. "É neles que o professor vai ter contato com as mais novas metodologias e saber como aplicá-las na sala de aula".

1. Quais são as variáveis para ter uma Educação de qualidade?    
Sonia Penin: A qualidade da Educação depende da qualidade dos professores e, claro, a qualidade dos professores depende de quanto um país investe em Educação e quanto ela é de fato importante, não mero discurso. Preparar os alunos nesse começo de século 21 é um desafio enorme, já que é preciso resolver problemas contemporâneos e sanar as deficiências que vem desde o século 19.

2. Como formar bons professores?   
Sonia Penin: Uma formação de qualidade engloba vários aspectos. Passa pela atração e retenção dos profissionais talentosos, variável que depende da valorização da profissão e de políticas públicas de melhores salários.

3. Qual o papel da USP na melhoria da Educação nacional?   
Sonia Penin: Temos uma responsabilidade muito grande, pois somos uma referência na área. Formamos professores que, muitas vezes, vão atuar em outras instituições, formando novos professores. Ao mesmo tempo, nenhuma instituição sozinha dará conta do problema brasileiro. A USP deve ser capaz de formar bons educadores e produzir conhecimento sobre a problemática educacional. Nossa produção é muito intensa, mas não é suficiente para responder a todas as necessidades da Educação do país. Desde 2002, trabalhamos em um novo programa para formação de todas as licenciaturas a fim de integrar questões práticas e de conteúdo. Hoje, há maior articulação entre professores da Faculdade de Educação e de outras faculdades da USP.

4. Qual a importância do estágio na formação de um professor?   
Sonia Penin: O estágio tem peso muito importante na formação, pois o aluno se depara com desafios concretos e isso é fundamental para a aprendizagem. O que seria da medicina se não houvesse aulas práticas? É ela que dá sentido à teoria. E ambas precisam andar conjuntamente. Na USP, estamos tentando fazer isso ao longo do curso e não só no finalzinho. A prática no curso de pedagogia é principalmente viabilizada pelos estágios, que, aqui, correspondem a 20% do currículo. Recentemente, fui a um encontro em Copenhagen, na Dinamarca, e uma questão muito discutida lá foi sobre como recepcionar os professores novos nas escolas. Os novatos precisariam acompanhar os professores mais experientes, assistir suas aulas por um bom tempo, a exemplo do que acontece em Cingapura.


5. Muitos dizem que os cursos de formação de professores têm teoria demais. A senhora concorda?   
Sonia Penin: A teoria é muito importante, desde que esteja voltada à resolução de problemas práticos. A secretária estadual de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães, disse que os cursos, de tão ruins, deveriam ser fechados. Isso é leviano! Imputar aos cursos de formação inicial as dificuldades que os professores enfrentam hoje no ensino dos alunos das escolas de educação básica é inaceitável. Supor que um curso de formação profissional em nível superior deva tratar das reais demandas das escolas sem um embasamento teoricamente rigoroso é temerário. O trabalho está condenado ao fracasso ou à mediocridade se não se apoiar numa análise teórica e historicamente consistente. Teoria e prática, articuladas, definem uma boa profissionalização.

6. Um professor sai da faculdade preparado para enfrentar a sala de aula?   
Sonia Penin: Não. Um iniciante não dará conta de situações concretas. Por isso, a formação continuada é necessária. As faculdades precisam de novas diretrizes. As redes municipal e estadual de ensino precisam trabalhar em conjunto com as universidades. Assim, os alunos aprendem, nossos estudantes treinam e são orientados por professores daqui.

7. O que um bom professor precisa ter?   
Sonia Penin: Deve dominar fundamentos de toda ordem. Precisa ser autônomo intelectualmente, ter um pensamento lógico coerente -- é para isso que serve a teoria. Deve saber explorar todas as potencialidades cognitivas de seus alunos. Precisa saber resolver problemas, tomar as melhores decisões. Para ensinar bem, o educador tem que entender a especificidade do contexto em que está inserido, ou seja, conhecer bem a escola em que leciona, que tipo de gestão ela tem, seus alunos, a comunidade. Cada escola tem uma realidade distinta. O ensino para alunos da escola da favela de periferia é diferente do voltado para jovens de classe média, de uma escola da região central. O professor também deve saber preparar seus alunos para o momento em que vivemos, estar preparado para lidar com novas tecnologias, para trabalhar de forma dialógica com os estudantes, a fim de estimular a aprendizagem coletiva. Finalmente, deve dedicar-se a formação continuada. É nela que vai ter contato com as mais novas metodologias e saber como aplicá-las na sala de aula. A capacitação constante também vai ajudá-lo a resolver situações-problema da vida real.


8. Há disparidades regionais na formação de professores e isso se reflete na qualidade da Educação. Como resolver?   
Sonia Penin: Se bem programados, os cursos à distância são uma alternativa. A Internet e as plataformas digitais diversas podem aproximam os estudantes, por meio de grupos de trabalho e conferências, apesar da distância. O Brasil é um país continental, mas dessa forma, podemos levar novos padrões de qualidade a áreas longínquas.

“Terceira Entrevista”

Leda Scheibe: universalização da formação superior dos professores é tendência mundial.

Com mestrado e doutorado em educação e pós-doutorado na área de formação de professores no ensino superior, Leda Scheibe é professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e membro do Conselho Técnico Científico da Educação Básica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ela é aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde continua a trabalhar como professora titular voluntária.
Em entrevista ao Jornal do Professor, Leda Scheibe fala sobre a importância da formação superior para os professores da educação básica e diz que a exigência de uma escolaridade maior e melhor tem aumentado. “A universalização da formação superior dos professores é uma tendência mundial e cada vez mais se justifica frente aos desafios educacionais”, ressalta.
Ela acredita que, neste momento, é preciso investir no processo de discussão e aprovação do Plano Nacional de Educação para a década 2011 – 2020. Em sua opinião, o Plano Nacional de Educação é o instrumento disponível para, efetivamente, apontar estratégias que induzam estados e municípios a investir em planos de carreira e no pagamento de salários dignos aos professores.
Jornal do Professor - Qual é a importância da formação superior para os professores? Um professor com curso superior tem mais condições de ensinar do que um que tenha apenas o curso Normal?
Leda Scheibe - A FORMAÇÃO INICIAL é um momento chave da construção de uma socialização e de uma identidade profissional. A formação dos professores para a escola básica, hoje, não pode mais prescindir de uma formação em curso superior como base para sua atuação docente. Tal requisito tem fundamento na compreensão de que a valorização do professor, tão cantada em prosa e verso, depende não apenas, mas também, de uma formação aprimorada, valorizada pela profundidade dos estudos e mesmo pelo tempo de formação.
O professor é um profissional que lida com formação de crianças, jovens e mesmo de adultos, e que tem como principal conteúdo para o seu trabalho, o conhecimento. Isto não é pouca coisa - sua tarefa é socializar o conhecimento sistematizado, fazer a mediação entre a cultura e o educando, formar indivíduos críticos... Cada vez mais as pessoas precisam para sua sobrevivência, dominar o conhecimento que se amplia dia a dia... Mais e melhor escolaridade é, portanto, uma exigência que só tem se ampliado. O professor está no centro deste movimento que incorpora cada vez mais informações e necessita cada vez mais, para isto, uma formação sólida e cultural, que extrapola a que diz respeito unicamente à disciplina na qual será docente, e o conteúdo pedagógico.
Profissionais cada vez mais qualificados e permanentemente atualizados são exigências do trabalho docente que se complexifica e requer do professor um papel de intelectual no sentido que lhe deu Gramsci. O panorama atual revela que é de se esperar que mais e maiores cobranças recaiam sobre os professores, exigindo deste uma compreensão ampliada do mundo, do trabalho, da ciência, da cultura... A educação pouco pode avançar se o professor não tiver este perfil de pessoa com uma compreensão da cultura, para além dos conhecimentos específicos da sua área de trabalho.
A universalização da formação superior dos professores é uma tendência mundial e cada vez mais se justifica frente aos desafios educacionais.

JP - Como a senhora avalia a formação dos professores, de maneira geral? As instituições de ensino estão preparadas para formar bons professores?
LS - A formação de professores no Brasil é um desafio para seus governantes e para as instituições de ensino que abrigam os cursos que ofertam esta formação. Há instituições preparadas para um bom ensino e no qual os profissionais podem ser bem formados. Mas o que caracteriza, de uma maneira geral, esta oferta, é a condição desigual que temos hoje nos processos de formação de professores: presencial, a distância, três ou quatro anos para a realização dos cursos, ensino diurno e noturno, instituições públicas e privadas etc. Cinco formatos institucionais dão hoje abrigo aos cursos de formação de professores: escolas normais de nível médio; universidades que oferecem os cursos de licenciatura; instituições de ensino superior (IES) em geral, ou seja, centros universitários, faculdades integradas ou faculdades isoladas que oferecem licenciaturas em geral; institutos superiores de educação, criados pela LDB/1996, para funcionar no interior das IES e para assumir toda a formação inicial e continuada de professores; institutos federais de educação tecnológica (IFETS) que podem ofertar tanto as licenciaturas tradicionais com licenciaturas específicas para a educação profissional.
A desigualdade nos processos de formação é preocupante por incorporar desigualdade na qualidade da formação. É um desafio para o país, portanto, romper com o processo histórico de desvalorização social do professor, e caminhar no sentido de uma qualidade de formação mais igualitária.
A formação de professores é sobretudo um problema político: é atravessada pela concepção de sociedade e de projeto de futuro para uma país. Por isso, é preciso destacar que os currículos de formação dos docentes passam por definições nas quais os projetos societários de nação estão presentes de alguma forma, e, portanto, concepções em disputa atravessam os projetos de formação. Como encarar nos projetos de formação dos nossos quadros docentes os novos quadros teóricos, os novos aportes do desenvolvimento científico, os novos equacionamentos dos tempos e dos espaços que requer a virtualidade frente à prática pedagógica? São desafios postos...
Há que apostar, portanto, em processos formativos de docentes cada vez mais inseridos nas novas exigências da atualidade, sem deixar de levar em conta, ao lado da preparação técnica e conteudista dos professores, das necessidades de mudança social , a perspectiva da inclusão escolar, do direito à educação, das necessidades coletivas se sobrepondo ao individualismo, da multidisciplinaridade etc.

JP - Dados do Censo da Educação Básica de 2010 revelam que do total de dois milhões de professores, 1,4 milhão têm idade entre 33 e mais de 50 anos. Como a senhora avalia isso?
LS - Com preocupação. Os dados oficiais também têm revelado que a procura pelos cursos de licenciatura tem decaído nos últimos anos, mesmo que haja oferta de vagas no mercado de trabalho. Isto revela o quanto a carreira docente não é uma profissão atrativa para os jovens.

JP - O que é necessário fazer para atrair para as carreiras docentes os jovens que estão ingressando nas universidades?
LS - Sabe-se que esta questão passa pelo salário dos professores, pela falta de carreira docente na maior parte dos sistemas de ensino no país, pelas condições concretas de trabalho, nas escolas, e também pelo cuidado com sua formação na graduação. No momento, certamente cabem medidas tais como bolsas de estudo para ingressantes nas licenciaturas, não apenas para que possam desenvolver a sua formação com tempo para estudar e manter-se como estudante, sem precisar trabalhar e necessitar apelar para curso noturno. Mas também para que sejam atraídos para os cursos de licenciatura.

JP - Como senhora vê a avaliação de professores?
LS - Esta é uma questão que está em pauta, por diversas razões. Por um lado, pela efetiva necessidade de avaliar o trabalho docente para detectar suas necessidades, rever as posturas dos docentes, sentir o que falta em termos didático-pedagógicos e também de conhecimento curricular... Enfim, pela importância diagnóstica que tem a avaliação, como um elemento de promoção do trabalho docente e das condições de ensino.
Por outro lado, há hoje uma insistência avaliativa no sentido daquilo que está sendo denominado de responsabilização do professor pelos resultados da aprendizagem dos alunos, e sua culpabilização por fatores relacionados com a falta de condições educacionais.
Garantir a qualidade da educação nas escolas e promover a educação profissional dos professores é uma necessidade. Promover o crescimento profissional do professor. Mas usar, por exemplo, o desempenho dos alunos em testes específicos para avaliar as habilidades do professor pode representar equívocos que passam por fatores que vão além do controle do professor.
Penso ser necessário rever a ascensão da avaliação de resultados e fazer da avaliação um elemento da formação humana e não da exclusão (segregação das camadas mais pobres em guetos escolares, desestruturação profissional do magistério, ansiedade dos atores educacionais, ranqueamento das escolas etc). Considero necessária a avaliação do estágio probatório dos professores como um exemplo da avaliação como elemento de formação. No sentido de um acompanhamento do trabalho de quem se inicia na carreira profissional. O estágio probatório é um momento privilegiado de aprendizagem para o profissional docente. Mas seria necessária a participação de professores experientes neste processo de avaliação, como orientadores do trabalho. Sabemos que, mesmo constituídos como exigência pela Constituição brasileira e por leis estaduais, os estágios probatórios não estão sendo efetivamente implementados.

JP - O que os professores podem fazer para enfrentar os desafios da carreira?
LS - Ações de diversas naturezas podem ser feitas para enfrentar os desafios da carreira pelos professores. Professores são pessoas com idéias, com experiências, com imaginação, com ideais. Mas principalmente são uma categoria profissional, o que exige deles/delas ações integradas. Seja na escola, no sindicato ou em outras associações vinculadas ao trabalho docente. Movimentos de solidariedade para com as necessidades coletivas. Formar equipes multidisciplinares nas escolas para ampliar o seu olhar. Construir com os outros profissionais da educação, no sindicato dos professores, instrumento de avaliação dos professores. Socializar bons planos de aula na internet. Lutar para ampliar o tempo de convivência na escola e por mais tempo para planejar suas atividades. Novas tecnologias da comunicação requerem mudanças.

JP - O Ministro da Educação defende a valorização do magistério e entende que o piso salarial e a carreira não devem ser dissociados. Como fazer com que estados e municípios invistam em planos de carreira e paguem o piso salarial do professor?
LS - Neste momento é preciso investir no processo de discussão e aprovação do Plano Nacional de Educação para a década 2011 – 2020. É importante ter clareza sobre a indissociabilidade entre questões de formação, condições de trabalho, salário e carreira para a valorização do magistério. O Plano Nacional de Educação é, no momento, o instrumento que temos para efetivamente apontar estratégias que induzam os estados e municípios a investir em planos de carreira e no pagamento de salários dignos para os seus professores. Recentemente a Conferência Brasileira de Educação (Conae) discutiu à exaustão a necessidade de criação de um Sistema Nacional de Educação para que a nação não fique refém de políticas educacionais setorizadas que desconsideram a necessidade de dar prioridade à educação. Como o Brasil é um país federativo, a adesão às políticas que têm sido discutidas e definidas nacionalmente como fundamentais para o crescimento educacional fica à mercê de determinadas coações... Mas é preciso pelo menos cumprir a lei, neste país. E a lei determina a existência de um piso salarial mínimo e a existência de planos de carreira em todos os sistemas de ensino.


“Quarta Entrevista”

Nova Escola?!?! A formação do professor e a chegada da geração Y na sala de aula”

É um vídeo de uma entrevista retirada do youtube, abaixo o link de acesso ao vídeo que foi dividido em duas partes:



“Quinta Entrevista”

“Empregos: formação de pedagogo em alta no Brasil”

É um vídeo de uma entrevista retirada do youtube, abaixo o link de acesso ao vídeo:



“Sexta Entrevista”

“Entrevista - Formação de Professores - Marcos Lorieri”

É um vídeo de uma entrevista retirada do youtube, abaixo o link de acesso ao vídeo: 




Bibliografia:

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